segunda-feira, 22 de abril de 2013

Parte IX

Tomou a estrada nacional. As autoestradas não são o seu território. Não apenas pela idade do carro, mas pela monotonia da paisagem e a impossibilidade de poder parar quando lhe apetece, quando alguma coisa lhe chama a atenção. Gosta particularmente de parar para observar as paisagens, tirar uma ou outra fotografia, sentir o sol na pele ou nos dias de calor, sair de estrada, procurar um local nas margens do rio, parar o carro, descalçar-se e pôr os pés de molho. Pequenos prazeres que não partilha com ninguém.

Segue pela estrada, em frente, sentindo o embalo do carro a obedecer ao movimento do acelerador. Acelera na medida directa da vontade que tem de fugir das recordações. Desce o vidro, deixando o ar entrar, na secreta esperança que o vento leve essas lembranças. Sente o cabelo deslocar-se com o vento e, com vento a passear por entre o cabelo, sente-se um pouco mais leve. Apetece-lhe acelerar mais. Para fugir mais e mais depressa. Segue sem destino definido, mas já sabe onde vai terminar a viagem. É sempre assim. Por mais voltas que dê, são poucos os destinos que estão à disposição sempre que precisa de se afastar. De quem? De si. E do mal que é capaz de fazer com o martelar constante das recordações, o reviver das imagens e das emoções passadas... E da dor, principalmente da dor.

Põe o rádio mais alto para deixar de se ouvir pensar. Concentra-se na estrada e à medida que as curvas sucedem a rectas e as rectas às curvas, sente-me mais confiante nos seus dotes de condutor. Acelera, reduz na curva, e à saída pressiona o acelerador e sente a tracção traseira empurrar o carro em direcção à curva seguinte... Acelera um pouco mais e começa a sentir a traseira derrapar. Inebriado pelo cheiro da gasolina queimada, faz com que os pneus chiem nas curvas mais apertadas e embora saiba que está a correr riscos desnecessários, o correr esses riscos fazem-no sentir vivo. Sente o coração a bombear o sangue, a latejar nas veias e consegue vê-las salientes nas costas das mãos que seguram o volante com firmeza. Tudo lhe passa pela cabeça. Ela, os amigos, as brincadeiras de infância, o cheiro que ficava no ar depois de fazerem amor. Até a possibilidade de se esquecer de fazer a próxima curva. Sair em frente, atravessar o rail e cair para o abismo. Apagar-se. Apagar-se de vez. Extinguir-se. Não ter de viver, sabendo que ela estava morta.

Não devia ser permitido viver mais do que a pessoa amada. Deveria haver uma qualquer lei universal que determinasse a morte de um, caso o outro morresse.


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