Entra em casa e coloca os sacos no chão. Extrai a chave do canhão da fechadura e com o pé fecha a porta com estrondo. Atira a chave para cima da mesinha que tem à sua direita. Levanta os sacos e dirige-se à cozinha. O frigorífico, pejado de ímanes dos sítios onde sempre quis ir, mas nunca foi, emite um zumbido contínuo que enche o espaço da divisão. Pequena, à semelhança do resto da casa. Uma casa velha, de pedra, com uma porta de madeira (descaída!) e janelas de madeira. A parede lateral exterior virada a Norte está coberta de hera. Aponta mentalmente, pela enésima vez, que precisa de chamar o carpinteiro para lhe tratar da porta. Já não vai para novo, e nos dias de chuva com a humidade, a porta incha e fica ainda mais difícil de abrir. Atira o casaco para as costas de uma das duas cadeiras que tem na cozinha e inicia a tarefa de arrumar as coisas que trouxe nos sacos, nas prateleiras do frigorífico e do armário. Começa pelo frigorífico. Não é difícil, já que cultivou o hábito de arrumar as compras com um método: mercearia para um lado, fruta e legumes, para outro, frescos, carne e peixe para outro. Em pouco tempo dá por terminada a tarefa. Prepara-se para se erguer. Faz força nas pernas, apoia-se nos joelhos para se levantar. A custo, coloca-se direito. Embora, direito seja um eufemismo, vergado que está pela passagem do tempo. Fecha a porta do frigorífico. Um dos ímanes dos tais sítios onde sempre quis ir, e nunca foi, acaba por ficar preso na sua camisola e rodar. Fica estranha a Ópera de Sidney de pernas para o ar. Imagina a aflição da orquestra com as pautas a esvoaçar e os músicos a tocar ao mesmo tempo que se esforçam por não cair. Melhor colocar ordem na casa - pensa, enquanto coloca o íman direito.
Dirige-se agora para a casa de banho. Aqui, é o único lugar onde se sente verdadeiramente à-vontade. Permite-se estar com os seus pensamentos. Alivia-se, e enquanto descarrega o autoclismo, entala a camisa e arranja as calças. Afivela o cinto e dirige-se para a divisão contígua. Senta-se na beira do colchão e desata os nós dos atacadores. Retira os sapatos e as meias, húmidas depois de um dia de andar para cá e para lá. Sente o contacto dos pés quentes com o chão frio de madeira encerado do quarto. Os pés parecem dizer-lhe obrigado por poderem finalmente estar à vontade, livres dos constrangimentos da pele dos sapatos. Desaperta novamente o cinto, retira-o das calças e estende-se sobre a colcha de algodão que cobre a cama. Prepara-se para descansar. Só por uns momentos. Há tarefas que o aguardam. E que precisam de ser feitas, caso contrário...
LINDO!!! Adorei a surpresa... e quero ler mais... muito mais!
ResponderEliminar<3-te
Está bem! Vamos ver como corre!
EliminarEu também te amo. Mesmo!