A luz amarelada do candeeiro da rua defronte à casa, entra por uma pequena frincha do estore ressequido e dá ao quarto um aspecto tenebroso. O cão dos vizinhos ladra de cada vez que um carro passa na rua. É sempre assim, excepto quando chove. Cena típica: está sentado no passeio, como que é espera; vê o carro aproximar-se, dobrar a esquina e entrar na rua; levanta-se de pronto e quando o veículo se aproxima da casa, sai disparado como um foguete em dia de baile dos santos populares. Ladra como se estivesse possuído, persegue o carro durante uns metros e depois retorna, satisfeito ao seu lugar esperando pelo próximo condutor incauto. Uma vez por outra, esta acção do cão, provoca uma reacção no condutor que se concretiza numa travagem a fundo e em alguns impropérios vociferados pela janela do carro.
Entorpecido pelo sono inesperado, demora algum tempo a dar acordo de si. Procura o relógio de pulso e pelas suas contas dormiu mais de duas horas. Está a passar a sua hora de jantar. Levanta-se. Calça os chinelos de quarto e dirige-se à casa de banho. Depois de aliviar a bexiga, lava as mãos e apoveita para passar água no rosto: "Amanhã tenho de desfazer a barba". Abandona a casa de banho e entra na cozinha. Percorre o corredor entre uma e outra divisão tentando descobrir o que lhe apetece comer, mas os seus pensamentos ainda enevoados, apesar da água fria de há pouco, não lhe permitem tomar uma decisão rápida. Acaba por decidir o menos trabalhoso: pega no telefone, procura na lista de contactos o número do restaurante take away e faz a ligação. O costume. Sabe que tem entre quinze a vinte minutos antes de lhe baterem à porta. Prepara um tabuleiro. Coloca a toalha na mesa, retira a louça do armário e dispõe-na sobre a mesa. Alinha os talheres, copo e guardanapo. Liga a televisão e procura um canal onde possa ver algumas notícias. São todos iguais... o mesmo formato, os estúdios de cores fortes, o fato-gravata, os cabelos e a maquilhagem. Até as notícias são apresentadas da mesma forma. Desliga o som do aparelho. As imagens mudas dançam no ecrã. Projectam sombras de luz bruxuleante nos azulejos amarelecidos pelo tempo. Opta pelo silêncio. O silêncio já não magoa.
Sente bater à porta. Vai atender.
:)
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