terça-feira, 8 de novembro de 2011

No meio da ponte (capítulo 6)

"Vejo-a ainda sentada no meio da ponte. Reparo, porém, que não está tão curvada sobre si mesma como esteve antes. Talvez seja ilusão minha. Talvez esteja a ver o que desejo ver e não o que efectivamente vejo. Ilusões de óptica são frequentes quando passamos muito tempo a focar um determinado ponto.

Gostava que se levantasse e que tomasse o seu caminho. Fosse ele qual fosse. Ficar no impasse, na indecisão não resolve nada, antes pelo contrário: traz apenas mais dores de cabeça, mais incerteza e aprofunda a angústia.
E ninguém tem de viver angustiado. Muito menos resignado a um caminho e a uma vida que não deseja. Principalmente quando se tem consciência de que não se deseja esse caminho. Estou aqui pronto para saltar. Não da ponte, mas na sua direcção se para isso for chamado.

Há uma alteração na sua posição.  Ou então é apenas o ondular do seu cabelo provocado por um vento mais forte e caprichoso que insiste em acariciar-lhe a face. Como queria ser vento. Como gostava de poder ser quem lhe toca a pele. Agora vejo claramente que se mexe. Olha para um lado e para o outro da ponte. Fita os caminhos com os seus olhos doces. Sinto o calor subir à cara quando os nossos olhares se cruzam. Apesar da distância e do estado em que me encontro, quase poderia jurar que me sorrio. Voltou-me as costas e acho que já tomou a sua decisão. Sinto-me triste. E ao mesmo tempo feliz por ter contribuído para a sua decisão. Valeu a pena assistir a uma explosão de uma estrela. Quantos de nós temos essa sorte?

Pego nas minhas tralhas, carrego-as na mochila e preparo-me para percorrer o meu próprio caminho. Sem dúvida teria sido diferente percorrê-lo com ela. Nem melhor nem pior. Apenas diferente (embora reconheça que sim, que teria sido melhor!) Pego na mochila. Ajusto-me novamente ao peso e penso que a jornada poderia ser mais longa e difícil se não tivesse parado para contemplar quem estava sentado na ponte.

Pego na vara e ensaio os primeiros passos. Dói. Voltar as costas dói. Eu sei. Em tempos fui eu quem voltou as costas para partir em busca do meu próprio caminho, já que aquele onde estava pouco me dizia.

Vou-me habituando ao peso da mochila e à cadência dos passos. Vou escutando o bater do meu coração e tento andar no mesmo compasso. Mas há qualquer coisa que não bate certo. O bater do coração está fora de ritmo, porque me parece que há batidas a mais.
Pressinto alguém por trás de mim.
Volto-me para ver quem é.

Vejo-a a correr na minha direcção.
Com o sorriso mais bonito.
Com os olhos mais brilhantes.

Abro os braços para te receber, uma vez que o coração já é teu.
Bem-vinda!"

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