sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Banalidades

Não cessa de me admirar a forma como, hoje em dia, tudo se está a banalizar. Não consigo deixar de ficar indiferente quando, para justificar um comportamento, que na minha maneira de ver (e por ser minha é necessariamente parcial, enviesada e desajustada à realidade do outro) não faz qualquer sentido, me dizer que "não tem mal", "é na brincadeira" ou "toda a gente faz".

Vem isto a propósito de uma situação que presencie hoje entre duas adolescentes que estavam a mostrar fotografias uma da outra em situações banais, como comer na cantina da escola ou dançar na rua, tudo situações comuns que, nada têm de mal ou reprovável. As adolescentes em causa, chamemos-lhes Maria e Rita iam mostrando aos colegas fotografias de uma e de outra em poses mais ou menos risíveis consoante a expressão facial do momento em que a foto tinha sido tirada. Maria mostrou várias fotos de Rita, e se esta, a início estava a alinhar na brincadeira e se ria com as fotos que Maria mostrava no seu smartphone, a coisa chegou a um ponto em Rita resolveu ripostar, exibindo aos colegas um video, em que Maria se acariciava no peito, tocando-se nas mamas de uma forma, mais ou menos explícita ou provocante ou outro adjectivo que queiram utilizar. Os colegas (rapazes adolescentes, que são) entre risos e alguns comentários mais ou menos grosseiros fizeram a festa ao ver o vídeo.

Quando me apercebi do barulho, perguntei o que se estava a passar para toda aquela animação e a Rita, fez o mesmo comigo, que tinha feito aos colegas, mostrando-me, trocista, o video que filmara de Maria tocando-se. Fiquei surpreendido. Por várias aspectos: em primeiro lugar pelo à-vontade com que Rita me mostrou o video, pela naturalidade (ainda que um pouco envergonhada) com que Maria assistia a isto, pela reacção dos rapazes, como se eu fosse um deles e estivessem à espera de uma qualquer expressão ou esgar de reforço dos comentários e expressões deles.

Desviei o telefone, e perguntei-lhes se achavam necessário que eu tivesse tido contacto com aquele video. Se seria relevante para mim, ter visto o que me mostraram. Ficaram surpreendidas pela questão. Rita afirmou que, como a colega tinha mostrado fotografias dela que ela considerava injustas e abusivas, resolvera ripostar mostrando o video. Maria justificando o injustificável, afirmou que aceitara tocar-se para a câmara porque Rita lhe pedira. Os rapazes, neste ponto estavam calados na expectativa do que aquilo ia dar. Comecei por perguntar se sabiam o que é bullying. Disseram quase todos que sim. Questionei-os em seguida se tinham consciência de que o que tinham acabado de presenciar se enquadraria numa situação que pudesse ser qualificada como bullying. Que não. Que é  normal. Que foi na brincadeira. Que não tinha mal nenhum.

Fiquei deveras surpreendido! Juntei as duas garotas e perguntei-lhes o que pensariam os pais de ambas, se por um acaso, dessem com o video e assistissem ao seu conteúdo. Rita respondeu que a sua mãe não mexe no seu telemóvel e Maria afirmou que não tem esse video. Perguntei-lhes depois se gostariam de ver tornado público o conteúdo daquele ou de outros vídeos semelhantes. Disseram ambas que não. A minha questão seguinte foi "Então porque é que fazem vídeos com este tipo de conteúdos?" Que é uma brincadeira, sem mal nenhum, que é normal. Que este até é bastante soft. Esta última resposta deixou-me de queixo caído!

Sim, provavelmente estou a tornar-me num cota, bota-de-elástico, moralista ou coisa parecida mas tentei explicar-lhes que não faz sentido exporem-se daquela forma uma vez que a "segurança" que a rede nos oferece é muito pouca. Que os conteúdos digitais, mesmo não tendo sido colocados online, estando na memória de um qualquer equipamento electrónico com ligação wi-fi, bluetooth ou 4G pode ser facilmente acedido por (quase!) qualquer pessoa. Que essa pessoa não precisa de ser génio da informática, geek ou nerd. Que o simples desaparecimento, por perda, furto ou roubo do equipamento, permite que qualquer pessoa aceda aos conteúdos que estão contidos na(s) memória(s) e daí publicados, partilhados na web e que a partir desse momento se tornam públicos?

Desde quando passou a ser  normal expor a intimidade? Estamos a falar de garotos de 13/14 anos de idade. Desde quando, por uma colega/amiga da escola pedir, se permite que alguém nos filme enquanto nos tocamos de forma, digamos, íntima? Desde quando é que os pais deixaram de lado a sua responsabilidade de monitorizar os equipamentos electrónicos e os conteúdos on-line acedidos pelos filhos/as? Desde quando é que tudo isto se tornou tolerado ao ponto de os garotos acharem banal, normal, comum e aceitarem, proporem e incentivarem comportamentos destes?

Os miúdos são miúdos. Precisam de acompanhamento, supervisão e de adultos responsáveis e conscientes das armadilhas que a tecnologia esconde, que os alertem para o perigo da exposição mediática, e que as práticas (que aparentemente são comuns) entre eles, podem vir a trazer-lhes dissabores e arrependimentos. E, ou me engano muito ou será só uma questão de tempo.

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