quarta-feira, 10 de abril de 2013

Parte VII

Foi um dia quente de Maio. Tinha regressado a casa no autocarro urbano que ligava a universidade a casa. Estava a pousar as coisas no quarto. Decidiu ir tomar um duche rápido para retirar o suor que lhe colava a roupa ao corpo. Pegou na toalha de banho, dirigiu-se ao chuveiro e depois de se ter despido e colocado sob o jacto água morna ouviu, através da porta, o telefone tocar. Decidiu não atender. Decidiu ignorar o toque persistente da campainha do telefone e manteve-se de cabeça pendente para o lado direito, a sentir a água a escorrer pela pele. Relaxou. Terminou o duche, embrulhou-se na toalha, sem secar a pele e ficou encostado à parede forrada de azulejo a ver a água escorrer pela pele e do cabelo.

Quando saiu para o quarto, o telefone há muito que havia deixado de tocar. Emudecera e estava agora inerte no seu lugar, numa mesinha de canto junto da cozinha, pejada de canetas e papéis com recados e notas que alguém havia tomado. O telefone não funcionava, tal como o coração do seu amor. Os batimentos cardíacos cessaram no momento em que do outro lado da linha a amiga do seu amor decidiu que já bastava de tentativas de chamada telefónica.

A vida foi interrompida quando dois dos seus amigos da faculdade, que havia deixado faz pouco tempo, lhe apareceram à porta de casa com cara de caso e olhos brilhantes. Sem uma palavra sentiu-se abraçado e ainda mais confuso quando o conduziram à morgue do hospital para proceder ao reconhecimento do corpo. Perguntaram-lhe se podia reconhecer o corpo. Que estupidez! Claro que podia reconhecer o corpo. Reconheceria o corpo em qualquer lugar e momento. Tinha decorado o corpo dela. Sabia-o de cor, como se sabe de cor o corpo de quem se ama. Todas as curvas, sinais, e outros aspectos particulares que lhe foram apresentados e que desvendou com prazer partilhado. Amaram-se pouco antes. Pouco antes de regressar a casa. Encontraram-se à saída da faculdade, deram-se as mãos e apenas sorrindo e trocando olhares, sem haver palavras (que as palavras. por vezes tornam-se excedentárias) foram para o quarto alugado que ela ocupava numa das casas velhas da cidade e que lhes servia de ninho e abrigo contra os males do mundo.

Atropelada. Na passadeira. Quando ia fazer o telefonema periódico aos pais. Por um apressado condutor distraído de uma empresa de distribuição de medicamentos urgentes. Ironias do destino.

Por este motivo, não gosta de perder chamadas.
Nem de perder amores.

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