quinta-feira, 7 de março de 2013

Parte III

Dedica-se agora à tarefa de lavar o prato, os copos e o talher. Embora não tivesse vontade de o fazer, gosta, pela manhã, de enfrentar a cozinha arrumada e a ideia de ter a louça por lavar e a mesa por arrumar é simplesmente insuportável. Fecha a torneira, torce o pano com que limpou o lava-louça e arruma tudo no armário sob a banca. Apaga a luz. Dirige-se para o quarto às escuras. Conhece a planta da casa de olhos fechados. Costuma pensar que se por um acaso ficasse privado da visão, estaria perfeitamente adaptado à sua casa. Conta mentalmente cada um dos quinze passos que o separam do quarto. Acende a luz da mesa de cabeceira e retira as almofadas do roupeiro. Coloca-as em cima da cama e mergulha em busca do pijama que deixou dobrado. Esta sua mania pela arrumação já o deixou preocupado. Alturas houve, em que  propositadamente se abandalhava. Como que para provar que também ele sabia ser desleixado. E sabia. Apenas optou por uma outra via. A que, na sua perspectiva, lhe facilita o dia-a-dia.

Veste o pijama, dobra a roupa que trazia vestida e coloca-a numa cadeira ao fundo da cama. Na casa de banho escova os dentes com vigor. Regressa ao quarto, abre a cama que ainda guarda as marcas do descanso do final da tarde e deita-se. Os lençois de algodão sobre o colchão proporcionam-lhe um contacto macio. Vira-se para um lado e para outro. Ajeita as almofadas até se sentir confortável. Reclina-se sobre elas e fita o tecto. Se exceptuarmos as palavras que trocou ao telefone para encomendar o jantar e com o estafeta que lho veio entregar, não articulou um som. Deitado, a olhar o tecto, procura concentrar-se. Usa como medida a sua respiração. É um processo simples para ele. Tem apenas de prestar atenção aos actos inatos de inspirar e expirar. A cada inalação vai tomando consciência da quantidade de ar que os seus pulmões conseguem conter. Depois, exala o ar que conteve, deixando-o escapar por entre uma pequena frincha entre os lábios. Repete este exercício até sentir que a tensão o está a abandonar a cada exalação. De inspirar fundo, a fim de encher completamente os pulmões começa a sentir uma leve tontura provocada pela maior oxigenação do sangue.

Estende o braço esquerdo, (que estranho! Mal o sente, como se não fosse seu.) e apaga a luz.
Dá ainda conta que respira.
Está de partida para outro mundo.

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