terça-feira, 12 de março de 2013

Parte IV

Trago um peso no peito. Não o consigo quantificar. Como hei-de explicar? É como se trouxesse no lugar do coração um chumbo florido. Não, não desespere, eu explico. Um chumbo, pelo peso que implica; florido, porque como algumas flores abre e fecha. Quero com isto dizer que por vezes, quase não pesa. De tal forma, que nem me lembro dele. Mas outras ocasiões há, em que começa a surgir e tal como uma flor que desabrocha se vai tornando maior e me vai deixando mal. E mau. A dor que traz consigo é daquelas dores finas, bem localizadas. Depois vai-se tornando mais abrangente até tomar conta de todo o coração. E aí, assoberbado pelas ondas de choque da dor, acontece-me por vezes, que num mecanismo de autopreservação, a minha consciência se apaga. Aliás, tudo se apaga. Acabo por regressar a mim, não sei bem quanto tempo depois. Alagado em suores. De tal forma, que quando consigo reunir as forças para me levantar, deixo marcado no chão o sítio onde o meu corpo esteve depositado, durante o shut down ordenado pelo cérebro. Acho que de vez em quando o meu sistema devolve ao cérebro a mensagem "tape loading error" ou pura e simplesmente reinicia-se a fim de limpar a memória. Agora mesmo, sinto esse peso no peito. Se desmaiar, não se assuste. Estando sentado não há perigo de me magoar na queda.

As minhas dores são outras. São dores da alma. E dessas, o tratamento terá de ser, necessariamente mais prolongado. Sei que terei de ser paciente. Creio que me será útil a sua assistência neste processo. Já percebi que por muito que queira, apenas eu possuo o dom de me curar a mim mesmo dos humores do espírito. Está aqui apenas para me levantar questões. Para me pôr a pensar.

Acordou quando terminou o seu discurso. Lembrava-se de cada palavra com tal precisão que cuidou ser real. Como se a conversa que teve, o solilóquio que desenvolveu fosse dirigido a ele mesmo. Agora que consegue pensar nisso, não havia mais ninguém na sala. Ninguém definido, com rosto, com função, que pudesse identificar. Estaria a falar consigo mesmo? Com outro alguém? Com deus? Não, com deus não. deus já o tinha abandonado há muito. Pelo menos, o deus dos homens. Mesmo pouco desperto concluiu que seria melhor tentar voltar a dormir.

Lá fora ainda é de noite. Quem sabe que mais lhe traria o sono?

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